História
Nos primeiros anos em que se começou a tratar com
seriedade a deficiência mental, hoje conhecida como deficiência intelectual por
exigência das próprias pessoas com essa deficiência, a mesma era considerada "um
problema da infância."
Dessa forma, quando foram fundadas as primeiras APAEs do
Brasil, entre elas a do Rio de Janeiro( a primeira em 1954) APAE de Jundiaí,
(Est.S.Paulo) e a APAE de São Paulo, havia a idéia geral de nós, pais militantes
desde aquela época, de que tínhamos de cuidar de nossas "crianças
retardadas",daí termos fundado as primeiras APAEs. Não havia qualquer
preocupação com o fato de que iriam crescer, tornar-se adolescentes, depois
jovens adultos e que mais tarde chegariam à meia idade e, finalmente, à fase do
envelhecimento. Justifica-se que houvesse essa falta de preocupação com o
crescimento de nossos filhos, pois por volta de 1960, quando fundamos a APAE de
S.Paulo, uma pessoa "mongolóide" como se dizia com todo o desprezo naquela
época, ou seja, pessoas com síndrome de Down, mal chegavam à adolescência,
morrendo por volta de 15 ou 18 anos.
Os progressos da medicina, especialmente de cirurgias
cardíacas, pois é comum crianças com síndrome de Down terem alguma alteração no
coração, levaram ao prolongamento da vida dessas pessoas. Hoje vivem mais ou
menos o mesmo tempo de vida da população em geral, havendo registro de uma
senhora com síndrome de Down que morreu nos Estados Unidos há algum tempo com 83
anos.
Na época do surgimento das primeiras APAEs nós, pais de
crianças nessas condições, não tínhamos nenhum conhecimento do que representava
essa problemática em nossas vidas. Ao fundarmos APAEs, nós, os pais, éramos
automaticamente excluídos de qualquer decisão sobre a criança, cabendo aos
médicos de então, que tinham uma arrogância e onipotência enormes, dizer-nos que
tínhamos um grande problema, usando para isso palavras do jargão médico,
inteiramente desconhecidas por nós, pais. Isso aconteceu comigo e com todos os
pais da minha época.
Os anos sessenta viram um maior esclarecimento da
deficiência mental/intelectual, através de contatos com o exterior que fizemos
via APAE de S.Paulo, devido à clarividência de uma das mães fundadoras, a
saudosa Alda Moreira Estrázulas, que quis que tivéssemos notícia do que se
passava no mundo. Os primeiros livros e documentos outros começaram a chegar dos
Estados Unidos, Inglaterra, e alguns outros países, e começamos em São Paulo a
ter noção de como ensinar as formas básicas, a discriminação de cores, o esquema
corporal, tudo através de material informativo que chegava principalmente da
Inglaterra e dos Estados Unidos.
Antes do surgimento das APAEs houve tentativas
extremamente humanas de educadores que se preocuparam com crianças ditas
retardadas. É impossível deixar de citar aqui a educadora Helena Antipoff, que
fugiu da Rússia com temor ao bolchevismo e nos anos vinte se instalou em Minas
Gerais onde criou uma plêiade de grandes educadores. Entre eles, cito com
carinho e saudade a dra. Olívia Pereira, de Recife, grande psicóloga e pedagoga
cujo trabalho foi sempre ligado às Sociedades Pestalozzi no Brasil, além disso
célula mater da APAE de São Paulo. Educadores brasileiros, poucos em numero,
também fizeram esforços para melhorar a condição de nossos filhos em fins dos
anos vinte, começo dos anos trinta, assim por diante... Além disso, o próprio
avanço das técnicas de comunicação trouxe uma maior consciência não só das
famílias, mas das próprias pessoas com deficiências,de modo especial pessoas com
deficiência física, e muitas organizações dessas pessoas foram se formando para
a defesa de seus direitos.ao longo dos anos sessenta e setenta não só no Brasil,
no mundo todo! Se considerarmos que durante séculos nossos filhos com
deficiência mental/intelectual foram inteiramente banidos da sociedade,
menosprezados, quando não claramente assassinados em muitos países com especial
ênfase no horroroso movimento nazista na Alemanha de Hitler, os progressos já
alcançados são imensos.
Em 1973, portanto, no início dos anos setenta, em diversos
países adiantados como Inglaterra, Canadá, Estados Unidos, Suécia, Austrália,
começou a surgir um movimento chamado "A nova voz" (the new voice). As próprias
pessoas com deficiência intelectual começaram a se agrupar nesses países, com o
incentivo das associações de famílias e outras entidades comunitárias, e
passaram a se organizar, estabelecer critérios de liderança para que as próprias
pessoas com deficiência intelectual se fizessem ouvir,tivessem suas
reivindicações tomadas em consideração.
As pessoas com deficiência intelectual, em inglês chamadas
People First, na Argentina, México e outros países de língua espanhola Personas
Primero, têm tido um papel relevante em conquistas desse segmento esquecido da
população. Milhares de instituições em todo o mundo, nas quais muitos auto
defensores haviam passado anos vivendo em condições desumanas, sem nenhuma
privacidade, foram fechadas graças ao trabalho desses auto defensores. Agora
mesmo, quando se discute no mundo todo como deve ser a versão final da Convenção
das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, as pessoas com
deficiência intelectual, tendo à frente líderes de sua causa , têm se
manifestado, expressando a vontade de terem entre outras coisas:
a) sua sexualidade reconhecida e respeitada;
b) ter o direito de fazerem suas próprias opções quanto a
onde morar e com quem desejam morar; terem direitos legais semelhantes aos dos
demais cidadãos,etc. No Brasil o movimento de Auto Defensores está crescendo. Em
reuniões da Federação Nacional das APAEs, quando Diretoria e os representantes
das 24 Federações Estaduais se reúnem em algum lugar do Brasil para discutir os
rumos do movimento, há a presença constante de dois auto defensores, um rapaz e
uma moça. Quando não concordam com o que está sendo dito, ou desejam colocar
algum assunto que lhes interesse de fato, esses Auto Defensores levantam a mão,
pedem a palavra, que lhes é imediatamente concedida e claramente dizem que não
concordam, por exemplo, com o que está sendo dito digamos assim. Suas opiniões
são acatadas com o maior respeito e com toda a consideração como deve realmente
acontecer.
No Brasil realizaram-se pelo menos 3 grandes Foros de Auto
Defensores como parte dos trabalhos dos Congressos Nacionais das APAEs que se
realizam a cada 2 ou 3 anos. O primeiro Fórum de Auto Defensores foi em
Fortaleza, Ceará, em julho de 200l, o segundo em Bento Gonçalves, Rio Grande do
Sul, em julho de 2003, e o terceiro em João Pessoa, Estado da Paraíba, novembro
de 2005.
Em 2006 a Federação das APAEs de Minas Gerais realizou em
Caxambu um bem sucedido Fórum de Auto Defensores e, há pouco tempo, editou o
Manual de Formação de Auto Defensores, documento que honra os esforços das APAEs
de Minas Gerais pois contém material informativo de primeira grandeza sobre a
família, o desenvolvimento de crianças, enfim, um Manual de grande valor para
todos, pais, profissionais da área das deficiências, amigos, voluntários de toda
e qualquer organização voltada para os direitos de pessoas com deficiências,
esferas governamentais e, com certeza, todas as entidades da área existentes em
nosso país.
Maria Amélia Vampré Xavier
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